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domingo, 30 de dezembro de 2012

Poetas da Nossa Terra




Meu corpo, que mais receias?


Meu corpo, que mais receias?
Receio quem não escolhi.

Na treva que as mãos repelem
os corpos crescem trementes.
Ao toque leve e ligeiro
O corpo torna-se inteiro,
Todos os outros ausentes.

Os olhos no vago
Das luzes brandas e alheias;
Joelhos, dentes e dedos
Se cravam por sobre os medos...
Meu corpo, que mais receias?

Receio quem não escolhi,
quem pela escolha afastei.
De longe, os corpos que vi
Me lembram quantos perdi
Por este outro que terei.

Jorge de Sena - Porto de Abrigo
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sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

FELIZ NATAL



BOAS FESTAS
UM SANTO NATAL
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Trabalho Realizado para a 
Universidade Senior de Torres Vedras
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domingo, 16 de dezembro de 2012

Poetas da Nossa Terra



Che Guevara

Contra ti se ergue a prudência dos inteligentes e o arrojo dos patetas
A indecisão dos complicados e o primarismo
Daqueles que confundem revolução com desforra.

De poster em poster a tua imagem paira na sociedade de consumo
Como o Cristo em sangue paira no alheamento ordenado das igrejas

Porém
Em frente do teu rosto
Medita o adolescente à noite no seu quarto
Quando procura emergir de um mundo que apodrece. 

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Poetas da Nossa Terra



Morrer de Amor é Assim

 Quem morre de tempo certo
ao cabo de um certo tempo
é a rosa do deserto
que tem raízes no vento.

Qual a medida de um verso

que fale do meu amor?
Não me chega o universo
porque o meu verso é maior.

Morrer de amor é assim

como uma causa perdida.
Eu sei, e falo por mim,
vou morrer cheio de vida.

Digo-te adeus, vou-me embora,

que os versos que eu te escrever
nunca os lerás, sei agora
que nunca aprendeste a ler.

Neste dia que se enquadra

no tempo que vai passar,
termino mais esta quadra
feita ao gosto popular.


Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum'

sábado, 8 de dezembro de 2012

Poetas da Nossa Terra





                                           DAQUI DESTE PAÍS



DAQUI DESTE PAÍS DO MEU DOER TE ESCREVO MEU AMOR
DAQUI DA MINHA DOR QUEM BEM ME QUER
ESTÁ LONGE MEU AMOR DAQUI DESTE CINZENTO
DE LATA E VENTO TE SOFRO EM CADA DIA AMOR
AQUI NESTE RELENTO NESTE TORMENTO
O PÃO NASCE SEM SUOR
AQUI NESTES ANDAIMES DE CHUVA
NÃO NASCEM CACHOS DE UVA NÃO BEBO O VINHO
QUE AMBOS PISÁMOS SÓ BEBO O ACENO QUE TROCÁMOS
AQUI SEMPRE ESTRANGEIRO SEM BARCA BELA
SEM NAU DAS DESCOBERTAS
AQUI DÓI O AMOR DÓI A SAUDADE
SÃO FERIDAS SEMPRE ABERTAS
DAQUI DESTE PAÍS COM ESTAS LETRAS
INVENTO A ALEGRIA AMOR
DAQUI DESTE PAÍS COM ESTAS LÁGRIMAS
TE ESCREVO E CONTO A MINHA DOR
AQUI EM ALAMEDAS DE FUMO
TIJOLOS E FIOS DE PRUMO NÃO NASCE O SOL
AQUI COM ESTE CÉU A SANGRAR
COM O TEU BORDADO A GRITAR NO MEU LENÇOL
AQUI COM ESTE INÚTIL LUAR ABERTO DE PAR EM PAR
NESTA JANELA DESTE PAÍS TE DIGO - ATÉ UM DIA AMOR

 
                                                                              Mário Contumélias

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Poetas da Nossa Terra






Atrás dos Tempos Vêm Tempos


    Não canto porque sonho.
    Canto porque és real.
    Canto o teu olhar maduro,
    teu sorriso puro,
    a tua graça animal.

    Canto porque sou homem.
    Se não cantasse seria
    mesmo bicho sadio
    embriagado na alegria
    da tua vinha sem vinho.

    Canto porque o amor apetece.
    Porque o feno amadurece
    nos teus braços deslumbrados.
    Porque o meu corpo estremece
    ao vê-los nus e suados.

 Eugénio de Andrade
, 1996

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Poetas da Nossa Terra




Deve ser o último tempo


A chuva definitiva sobre o último animal nos pastos
O cadáver onde a aranha decide o círculo.
Deve ser o último degrau na escada de Jacob
E último sonho nele
Deve ser-lhe a última dor no quadril.
Deve ser o mendigo à minha porta
E a casa posta à venda.
Devo ser o chão que me recebe
E a árvore que me planta.
Em silêncio e devagar no escuro
Deve ser a véspera.Devo ser o sal
Voltado para trás.
Ou a pergunta na hora de partir.



Daniel Faria
de Explicação das Árvores e de Outros Animais
1998
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segunda-feira, 26 de novembro de 2012

POETAS DA NOSSA TERRA





POEMAS PARA A NOITE INVARIÁVEL

IV

Gasto-me à espera da noite
impraticável

fiel
sugo os lábios da noite

invariável caio
nos poços da noite

Gasto-me à espera da noite alheia
amassada de gargalhadas doces e areia

Amor anoitecido vem
tecer-me um vestido
nocturno

Atraiçoo os anúncios luminosos
até a lua nova sabe a ausente
- e eu anavalhei-te com naifas de ansiedade -

Estou à espera da noite contigo
venham as pontes ruindo sob os barcos
venham em rodas de sol
os montes os túneis e deus

Estou à espera da noite contigo
livre de amor e ódio
livre
sem o cordão umbilical da morte
livre da morte

estou
à espera
da noite

Luiza Neto Jorge, A noite vertebrada
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quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Poetas da Nossa Terra





MÚSICAS

Desculpo-me dos outros com o sono da minha filha.
E deito-me a seu lado,
a cabeça em partilha de almofada.

Os sons dos outros lá fora em sinfonia
são violinos agudos bem tocados.
Eu é que me desfaço dos sons deles
e me trabalho noutros sons.

Bartók em relação ao resto.

A minha filha adormecida.
Subitamente sonho-a não em desencontro como eu
das coisas e dos sons, orgulhoso
e dorido Bartók.

Mas nunca como eles
bem tocada
por violinos certos.

*
Ana L. Amaral
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domingo, 18 de novembro de 2012

Poetas da Nossa Terra






Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso! Ó céu!
Ó campo! Ó canção! A ciência

Pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por mim dentro! Tornai
Minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passai!
 Fernando Pessoa
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quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Poetas da Nossa Terra






MAIS NADA

Antes de morrer não vou dizer nada
porque nada iria servir para nada.

O que as outras pessoas querem que eu diga
já o disse.

O que os amigos querem que eu faça
já o fiz.

Só não lhes disse
que ao morrer não iria dizer ou fazer mais nada
porque não há nada mais ridículo
que dizer ou fazer o que quer que seja
ao morrer.

Vieira Calado
inédito lido no blogue do poeta
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sábado, 10 de novembro de 2012

Poetas da Nossa Terra



Que mistério, a começar pelo título, envolveria esse soneto? O tempo ou algum incidente teria inutilizado parte do poema? A própria Florbela Espanca o teria deixado assim, “inacabado”? Seus editores ou os pósteros, extraindo parte do primeiro verso conhecido do soneto inconcluso, teriam batizado o soneto de “Eu não sou de ninguém...” ou tal título teria sido dado pela própria poetisa?! Impossível se me afigura saber o que teria, de fato, acontecido. Ei-lo em sua versão original, conforme o conhecemos:

“Eu não sou de ninguém...

...  ...  ...  ...  ...  ...  ...  ...  ...  ...  ...  ...  ...  ...  ...
...  ...  ...  ...  ...  ...  ...  ...  ...  ...  ...  ...  ...  ...  ...

...  ...  ...  ...  ...  ...  ...  ...  ...  ...  ...  ...  ...  ...  ...

...  ...  ...  ...  ...  ...  ...  ...  ...  ...  ...  ...  ...  ...  ...
 
Eu não sou de ninguém!... Quem me quiser
Há de ser luz do sol em tardes quentes;

Nos olhos de água clara há de trazer

As fúlgidas pupilas dos videntes!

Há de ser seiva no botão repleto,
Voz no murmúrio do pequeno inseto,

Vento que enfuna as velas sobre os mastros!...

Há de ser Outro e Outro num momento!
Força viva, brutal, em movimento,

Astro arrastando catadupas de astros!”

Florbela Espanca 

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quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Poetas da Nossa Terra








Mais do que um sonho: comoção!
Sinto-me tonto, enternecido,
quando, de noite, as minhas mãos
são o teu único vestido.

E recompões com essa veste,
que eu, sem saber, tinha tecido,
todo o pudor que desfizeste
como uma teia sem sentido;
todo o pudor que desfizeste
a meu pedido.

Mas nesse manto que desfias,
e que depois voltas a pôr,
eu reconheço os melhores dias
do nosso amor.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Poetas da Nossa Terra





Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!

Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz-
Ter por vida a sepultura.
...

Grécia, Roma, Cristandade,
Europa - os quatro se vão
Para onde vai toda idade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu D. Sebastião?

domingo, 28 de outubro de 2012

Poetas da Nossa Terra


Sinopse

Amália Rodrigues nasceu em Lisboa em 1920, oriunda de uma família modesta, e morreu em 1999, também em Lisboa, depois de ter conquistado fama internacional. Esta cantora invulgarmente brilhante reunia em si tudo aquilo que é necessário para se ser um bom artista: talento, sensibilidade, inteligência e capacidade de trabalho. Muitos consideram que foi a sua voz que levou a cultura e a alma nacionais pelo mundo fora e que o fado não seria hoje Património da Humanidade sem a sua decisiva contribuição. Com este livro, Maria do Rosário Pedreira quis contar aos mais novos quem foi esta portuguesa notável e João Fazenda ilustrou com arte e originalidade todo o texto.


quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Poetas da Nossa Terra




É sempre possível


É sempre possível reinventar uma história
para nós próprios,
um caminho desobediente, um grito de ontem,
um delírio figurando um cântico.

A nossa condição de passageiros
é a exacta norma do sonho,
o devaneio fantasmagórico dum réptil
embasbacado ao sol, inocente das noções de tempo,
passado e futuro, a história
que podemos ler nos olhos dos outros,
ou nas infinitas divagações do vento.

Fantasiemos, pois, um caminho tardo e lesto
de imaginárias flores num deserto
para a nossa sede sem recurso,
a não ser a possível ciência de inventar
outro azul para os olhos dos vindouros
nossos filhos.

 Vieira Calado
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domingo, 21 de outubro de 2012

Poetas da Nossa Terra





«Uma perda impossível de suportar»
 é assim que Francisco José Viegas 
secretário de Estado da Cultura, 
fala na morte de Manuel António Pina,
 jornalista, poeta, colunista, e Prémio Camões 2011.

 O MEDO

  Ninguém me roubará algumas coisas,
nem acerca de elas saberei transigir;
um pequeno morto morre eternamente
em qualquer sítio de tudo isto.

É a sua morte que eu vivo eternamente

quem quer que eu seja e ele seja.
As minhas palavras voltam eternamente a essa morte
como, imóvel, ao coração de um fruto.

Serei capaz

de não ter medo de nada,
nem de algumas palavras juntas?


Manuel António Pina, in "Nenhum Sítio"

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quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Poetas da Nossa Terra






Dorme, meu amor, que o mundo já viu morrer mais este dia e eu estou aqui, de guarda aos pesadelos. Fecha os olhos agora e sossega — o pior já passou há muito tempo; e o vento amaciou; e a minha mão desvia os passos do medo. Dorme, meu amor —

 a morte está deitada sob o lençol da terra onde nasceste e pode
levantar-se como um pássaro assim que adormeceres. Mas nada temas: as suas asas de sombra não hão-de derrubar-me — eu já morri muitas vezes e é ainda da vida que tenho mais medo. Fecha os olhos

 agora e sossega — a porta está trancada; e os fantasmas da casa que o jardim devorou andam perdidos nas brumas que lancei ao caminho. Por isso, dorme,

 meu amor, larga a tristeza à porta do meu corpo e nada temas: eu já ouvi o silêncio, já vi a escuridão, já olhei a morte debruçada nos espelhos e estou aqui, de guarda aos pesadelos — a noite é um poema que conheço de cor e vou cantar-to até adormeceres.

M.Ros.Amaral 
************************* Pedreira

domingo, 14 de outubro de 2012

Poetas da Nossa Terra



MULHER-MAIO


Bom dia, minha amiga, digo em Maio
és uma rosa à beira de um tractor
neste campo de Abril onde não caio
a nossa sementeira já deu flor.

Bom dia minha amiga, eu sou um gaio
um pássaro liberto pela dor
tu és a companheira donde saio
mais limpo de mim próprio mais amor.

Bom dia meu amor estamos primeiro
neste tempo de Maio a tempo inteiro,
contra o tempo do ódio e do terror.

Se tu és camponesa eu sou mineiro.

Se carregas no ventre um pioneiro
Dentro de ti eu fui trabalhador.

José Carlos Ary dos Santo

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Poetas da Nossa Terra



A FOTOGRAFIA


A fotografia que te mostra assim por inteiro
É a preto, branco e cinzento e olha para mim.
É carta que se diz de ti, é imagem que vem por ti
E olho-a com cores do sorriso e do coração
Como se a vontade fosse quem manda, sem mais regra.

A fotografia que te mostra assim, tem cheiro
De mar e de verde e de perfumes que são assim...
Tão únicos... especiais, como sei que nunca vi
Em toda a minha forma vivida de certeza e razão...
Há sabor na expressão que vejo e me alegra.

A fotografia que te mostra assim fala comigo,
Cara a cara, e lembra-me que me castigo
Por ter que castrar o querer estar contigo.

A fotografia que te mostra assim já é minha...
Hei-de gastá-la com olhos que pensava que não tinha,
Hei-de cheirá-la com sentido que na alma se aninha.

Valdevinoxis

sábado, 6 de outubro de 2012

Poetas da Nossa Terra




A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo numa só noite comprida
num quarto só.


terça-feira, 2 de outubro de 2012

Poetas da Nossa Terra


Rosa Maria  (Solidão)



É Noite no Meu País


É noite no meu País…no rosto dos nossos filhos há tristeza
É de desesperança o caminho…sem presente e sem futuro
Segue em frente sem medo…gritando em coro a incerteza
Rompe as correntes…derruba com a voz da razão esse muro

É noite no meu País…há desalento nos olhos do meu povo
Raiada de negro…desfralda-se ao vento a minha bandeira
Já nem é cor de esperança nem de sangue…tinge-a de novo
Com as belas cores rubras…sacode-lhe do orgulho a poeira

É noite no meu País…leva meu povo a revolta a passear
Solta as palavras que guardaste para o tempo de liberdade
Levanta a tua mão e acusa quem os teus filhos está a roubar
Não sorrias magoado…planta enfim os cravos da igualdade

É noite no meu País…é inverno na alma do meu nobre povo
Tangem sinais de descrença…levanta os braços cansados e luta
Pelo Portugal prometido…fá-lo das cinzas renascer de novo
Unidos na mesma crença…bebendo do mesmo copo a sicuta

É noite no meu País…a madrugada dos cravos está morrendo
O pão dos teus filhos está minguando…o sol deixou de brilhar
Com a indiferença dos verdugos deste povo…sempre crescendo
Caminha sem medo meu povo com um grito de revolta no olhar

No limite das forças…no fio da navalha
Assim caminhas meu País…desencantado
Vilipendiado e vendido pela escumalha
Grita meu povo por um Portugal libertado

Agradeço a disponibilidade da Autora.


  Visitem este blogue  único  http://rosasolidao.blogspot.com

domingo, 30 de setembro de 2012

Poetas da Nossa Terra





"Amo o que em ti..."

Amo o que em ti há de trágico. De mau.
De sublime. Amo o crime escondido no teu andar.
A tua forma de olhar. O teu riso fingido
e cristalino.
Amo o veneno dos teus beijos. O teu hálito pagão.
A tua mão insegura
na mentira dos teus gestos.
Amo o teu corpo de maçã madura.
Amo o silêncio perpendicular do teu contato
A fúria incontrolável da maré
nas ondas vaginais do teu orgasmo.
E esta tua ausência
Este não-ser que é. 
Manuela Amaral
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terça-feira, 25 de setembro de 2012

Poetas da Nossa Terra





Soneto de amor 


 Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma... Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.

Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas línguas se busquem, desvairadas...
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.

E em duas bocas uma língua..., — unidos,
Nós trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.

Depois... — abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus; não digas nada...
Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce! 

José Régio, 
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quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Poetas da Nossa Terra



Deixei de ouvir-te

  Deixei de ouvir-te. E sei que sou
mais triste com o teu silêncio.

Preferia pensar que só adormeceste; mas
se encostar ao teu pulso o meu ouvido
não escutarei senão a minha dor.

Deus precisou de ti, bem sei. E
não vejo como censurá-lo

ou perdoar-lhe. 

M.R.Pedreira
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sábado, 15 de setembro de 2012

Poetas da Nossa Terra





Aqueles que me têm muito amor
Não sabem o que sinto e o que sou...
Não sabem que passou, um dia, a Dor
À minha porta e, nesse dia, entrou.
E é desde então que eu sinto este pavor,
Este frio que anda em mim, e que gelou
O que de bom me deu Nosso Senhor!
Se eu nem sei por onde ando e onde vou!!

Sinto os passos de Dor, essa cadência
Que é já tortura infinda, que é demência!
Que é já vontade doida de gritar!

E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio,
A mesma angústia funda, sem remédio,
Andando atrás de mim, sem me largar!

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Poetas da Nossa Terra





Não Digas Nada! 
 Não digas nada!
Nem mesmo a verdade
Há tanta suavidade em nada se dizer
E tudo se entender —
Tudo metade
De sentir e de ver...
Não digas nada
Deixa esquecer

Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda essa viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada...
Mas ali fui feliz
Não digas nada.

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"
 
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quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Poetas da Nossa Terra




Um poema de Ana Luisa Amaral sobre o 25 de Abril, à memória de Miguel Portas(25-04-2012)
tão novo de morrer,
quase morrido
Tem vindo a ser matado
por sorrisos e cega obediência,
por sustos assustados,
ou simplesmente por não ser presente
e ter sido esquecido
na cave desta casa
Nela nasceu erguido
entre o mais desatado e o mais belo de ser:
tanques e cravos, e casos curiosos raso a mitos,
e sérios casos de paixão a sério,
e também carne e vida,
o que de mais importa neste mundo
Repousar é de morto, e ele terá morrido:
sem exéquias sequer,
só de mentira,
está o seu corpo muito lá em baixo,
como se fosse um peso que já não:
Nem mesmo incomodar
os números que voam, desatados,
os bárbaros que uivando sobrevoam
o telhado da casa
e nele pousam, cruéis e confortáveis,
repousam dos seus rumos de conquista
Tão novo de morrer,
morrido quase
Quem as exéquias suas?
Não há mural que o ressuscite aqui?
Ou chamamento novo que o congregue
de novo e em colisão
nestas janelas?
Dos que ao seu lado viveram lado a lado,
desses o susto bom de ele nascer,
e a desobediência ao erro e ao dobrado
Dos que depois nasceram:
a memória,
talvez da sua mão, ou mãe: memória,
o que de mais importa neste mundo
Que esses possam dizer que não,
que ainda vive,
que é novo de morrer e ainda vive,
e que o seu funeral: coisa sem rumo
Mesmo que chova hoje, como chove,
e as nuvens se perfilem junto aos uivos,
mesmo assim pressenti-lo
Teimar que é impossível
morrer assim tão novo
Saber
que isto não pode ser assim
Ana Luísa Amaral

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sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Poetas da Nossa Terra





Sabedoria
  Desde que tudo me cansa,
Comecei eu a viver.
Comecei a viver sem esperança...
E venha a morte quando
Deus quiser.

Dantes, ou muito ou pouco,
Sempre esperara:
Às vezes, tanto, que o meu sonho louco
Voava das estrelas à mais rara;
Outras, tão pouco,
Que ninguém mais com tal se conformara.

Hoje, é que nada espero.
Para quê, esperar?
Sei que já nada é meu senão se o não tiver;
Se quero, é só enquanto apenas quero;
Só de longe, e secreto, é que inda posso amar. . .
E venha a morte quando Deus quiser.

Mas, com isto, que têm as estrelas?
Continuam brilhando, altas e belas.

José Régio, in 'Poemas de Deus e do Diabo'

domingo, 26 de agosto de 2012

Poetas da Nossa Terra






Tudo o que faço ou medito
Fica sempre na metade.
Querendo, quero o infinito.
Fazendo, nada é verdade.

Que nojo de mim me fica
Ao olhar para o que faço!
Minha alma é lúcida e rica,
E eu sou um mar de sargaço.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Poetas da Nossa Terra


Porque é que este sonho absurdo
a que chamam realidade
não me obedece como os outros
que trago na cabeça?

Eis a grande raiva!
Misturem-na com rosas
e chamem-lhe vida.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Poetas da Nossa Terra



Já não Vivo, Só Penso


  Já não vivo, só penso. E o pensamento
é uma teia confusa, complicada,
uma renda subtil feita de nada:
de nuvens, de crepúsculos, de vento.

Tudo é silêncio. O arco-íris é cinzento,
e eu cada vez mais vaga, mais alheada.
Percorro o céu e a terra aqui sentada,
sem uma voz, um olhar, um movimento.

Terei morrido já sem o saber?
Seria bom mas não, não pode ser,
ainda me sinto presa por mil laços,

ainda sinto na pele o sol e a lua,
ouço a chuva cair na minha rua,
e a vida ainda me aperta nos seus braços.

Fernanda de Castro, in "E Eu, Saudosa, Saudosa"

sábado, 11 de agosto de 2012

Poetas da Nossa Terra



Os versos que te fiz


 Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.

Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!

Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!

Amo-te tanto! E nunca te beijei...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz! 

Florbela Espanca

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Poetas da Nossa Terra


No meu ventre de mulher cresceu teu feto

e foi a minha boca que te deu palavras

e silêncios para tu gritares

Dos meus braços multipliquei teus braços

e dei distâncias para tu voares

Dei-te tempos-de-nada

medidos de coragem

E foste. E és.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Poetas da Nossa Terra








Mais do que um sonho: comoção!
Sinto-me tonto, enternecido,
quando, de noite, as minhas mãos
são o teu único vestido.

E recompões com essa veste,
que eu, sem saber, tinha tecido,
todo o pudor que desfizeste
como uma teia sem sentido;
todo o pudor que desfizeste
a meu pedido.

Mas nesse manto que desfias,
e que depois voltas a pôr,
eu reconheço os melhores dias
do nosso amor.

Poetas da Nossa Terra






Um Pássaro a Morrer


 Não é vida nem morte, é uma passagem,
nem antes nem depois: somente agora,
um minuto nos tantos duma hora.
Uma pausa. Um intervalo. Uma viragem.

Prisioneira de mim, onde a coragem
de quebrar as algemas, ir-me embora,
se tudo o que em mim ria agora chora,
se já não me seduz outra viagem?

E nada disto é céu nem é inferno.
Tristeza, só tristeza. Sol de Inverno,
sem uma flor a abrir na minha mão,

sem um búzio a cantar ao meu ouvido.
Só tristeza, um silêncio desmedido
e um pássaro a morrer: meu coração.

Fernanda de Castro, in "E Eu, Saudosa, Saudosa"

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Poetas da Nossa Terra








Joaquim Pessoa

Ícaro

A minha Dor, vesti-a de brocado,
Fi-la cantar um choro em melopeia,
Ergui-lhe um trono de oiro imaculado,
Ajoelhei de mãos postas e adorei-a.

Por longo tempo, assim fiquei prostrado,
Moendo os joelhos sobre lodo e areia.
E as multidões desceram do povoado,
Que a minha dor cantava de sereia...

Depois, ruflaram alto asas de agoiro!
Um silêncio gelou em derredor...
E eu levantei a face, a tremer todo:

Jesus! ruíra em cinza o trono de oiro!
E, misérrima e nua, a minha Dor
Ajoelhara a meu lado sobre o lodo. 

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