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sexta-feira, 1 de abril de 2011

Poetas da Nossa Terra




O SOL NAS NOITES E O LUAR NOS DIAS
           

De amor nada mais resta que um Outubro
e quanto mais amada mais desisto:
quanto mais tu me despes mais me cubro
e quanto mais me escondo mais me avisto.
           
E sei que mais te enleio e te deslumbro
porque se mais me ofusco mais existo.
Por dentro me ilumino, sol oculto,
por fora te ajoelho, corpo místico.
           
Não me acordes. Estou morta na quermesse
dos teus beijos. Etérea, a minha espécie
nem teus zelos amantes a demovem.
           
Mas quanto mais em nuvem me desfaço
mais de terra e de fogo é o abraço
com que na carne queres reter-me jovem.

  Natália Correia         
O Sol nas Noites e o Luar nos Dias, II

terça-feira, 29 de março de 2011

Poetas da Nossa Terra

O Poeta



Trabalha agora na importação
     e exportação. Importa
metáforas, exporta alegorias.
     Podia ser um trabalhador
     por conta própria,
um desses que preenche
     cadernos de folha azul com
     números
de deve e haver. De facto, o que
     deve são palavras; e o que tem
é esse vazio de frases que lhe
     acontece quando se encosta
ao vidro, no inverno, e a chuva cai
     do outro lado. Então, pensa
que poderia importar o sol
     e exportar as nuvens.
     Poderia ser
um trabalhador do tempo. Mas,
     de certo modo, a sua
prática confunde-se com a de um
     escultor do movimento. Fere,
com a pedra do instante, o que 
     passa a caminho
     da eternidade;
suspende o gesto que sonha o céu;
     e fixa, na dureza da noite,
o bater de asas, o azul, a sábia
     interrupção da morte.

Nuno Júdice

domingo, 27 de março de 2011

Poetas da Nossa Terra





Ainda sabemos cantar,
só a nossa voz é que mudou:
somos agora mais lentos,
mais amargos,
e um novo gesto é igual ao que passou.

Um verso já não é a maravilha,
um corpo já não é a plenitude.



Eugénio de Andrade