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quinta-feira, 5 de maio de 2011

Poetas da Nossa Terra



É já o : Segundo Prémio de 'O Livro do Sapateiro






Poema Nº. 5


Estar aqui é como não estar aqui.

No escuro onde as minhas lentas mãos modelam

a pele deste ser vivo,

o universo,

é da fina camada que cobriu

o seu vasto percurso

no largo da pastagem,

é no táctil roçar da sua vida

que uma luz, é esta!, me transporta.

(…)

Pedro Tamen - O Livro do Sapateiro

terça-feira, 3 de maio de 2011

Poetas da Nossa Terra


POR UMA LINHA DE ÁGUA...

 
Dizes-me que «um mar rodeia o mundo de quem está só»
E eu desenho-te,
no centro da palma da tua mão,
uma linha de água.
Olhas-me,
como se essa linha te lembrasse
o quanto de ti trouxe nos meus dedos.
Há caminhos verticais, sabias?
Que se descobrem em passos ancestrais,
porém sempre renovados.
Sim,
esses que te levam ao início da memória...
Onde ecoa o meu nome, que tentaste esquecer.
E o calor da pele do meu peito sobre o teu.
Sim,
esses que te lembram o prazer de negar a solidão.
E o querer de querer mais.
E mais.
Mais!

Podia contar-te o segredo da hora de águas e areias.
Onde o tempo da ausência
se dissolve na cristalização do sal.
E o encontro das aves acontece...
Mas olho-te, em silêncio.
E sorrio.
Num convite para vires até mim
por uma simples linha de água.
Vem descobrir a coragem
De falar de amor, aves, pele, tempo,
sopro, azul, vento...
Agora.
Agora!

________Nuno Júdice

domingo, 1 de maio de 2011

Poetas da Nossa Terra


Poema à Mãe 

 
No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe.
Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
          Era uma vez uma princesa
          no meio de um laranjal...

Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.


Eugénio de Andrade, in "Os Amantes Sem Dinheiro"