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quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Poetas da Nossa Terra






À FRAGILIDADE DA VIDA HUMANA
Esse baxel, nas praias derrotado,
Foi nas ondas Narciso presumido;
Esse farol, nos ceos, escurecido,
Foi do monte libré, gala do prado.
Esse nácar em cinzas desatado,
Foi vistoso pavão de Abril florido;
Esse estio em Vesúvios encendido,
Foi Zéfiro suave, em doce agrado.
Se a nao, o Sol, a rosa, a Primavera,
Estrago, eclipse, cinza ardor cruel
Sentem nos auges de um alento vago,
Olha, cego mortal, e considera
Que é rosa, Primavera, Sol, baxel,
Para ser cinza, eclipse, incêndio, estrago.

IN "Fénix Renascida III"

Francisco de Vasconcelos

domingo, 15 de setembro de 2013

Poetas da Nossa Terra






ENCENAÇÕES E QUASE VOOS

Uma luz construída
ilumina
esses santos,
cada um sem o halo,
mas pombo circundante
na cabeça

São quatro santos no cimo
da igreja,
e cada um dos pombos escolheu
a face mais marcada,
os caracóis de pedra
que fossem mais macios

Talvez não sejam santos,
mas apóstolos, tão de barroco,
e o seu gosto a vestir:
um excesso de desvio
quase pecado

Apóstolos ou santos,
os pombos circundantes na cabeça
são halos delicados
que, julgando-se em céu,
vêem quase metade da cidade,
a meio: o rio e os telhados
de casas

Fingindo-se de mão a abençoar,
são adereço de um teatro
inteiro:
caos encenado
ou um perfil egípcio

E os caracóis solenes e sombrios
convidam ao pecado
e convocam-me aqui: noite de verão,
a liquidez do olhar:

Eu não poder,
em pedra,
abrir as asas



Ana Luísa Amaral


In “Se Fosse Um Intervalo”
Edições Dom Quixote