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sábado, 25 de maio de 2013

Poetas da Nossa Terra




Canção duma sombra

Ah, se não fosse a névoa da manhã 
E a velhinha janela, onde me vou 
Debruçar, para ouvir a voz das cousas,
          Eu não era o que sou.

Se não fosse esta fonte, que chorava, 
E como nós cantava e que secou... 
E este sol, que eu comungo, de joelhos,
          Eu não era o que sou.

Ah, se não fosse este luar, que chama 
Os espectros à vida, e se infiltrou, 
Como fluido mágico, em meu ser, 
          Eu não era o que sou.

E se a estrela da tarde não brilhasse; 
E se não fosse o vento, que embalou 
Meu coração e as nuvens, nos seus braços, 
          Eu não era o que sou.

Ah, se não fosse a noite misteriosa 
Que meus olhos de sombras povoou, 
E de vozes sombrias meus ouvidos, 
          Eu não era o que sou.

Sem esta terra funda e fundo rio, 
Que ergue as asas e sobe, em claro voo; 
Sem estes ermos montes e arvoredos, 
          Eu não era o que sou.

Teixeira de Pascoaes

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quarta-feira, 22 de maio de 2013

Poetas da Nossa Terra



Sou de outras coisas

Sou de outras coisas
pertenço ao tempo que há-de vir sem ser futuro
e sou amante da profunda liberdade
sou parte inteira de uma vida vagabunda
sou evadido da tristeza e da ansiedade

Sou doutras coisas
fiz o meu barco com guitarras e com folhas
e com o vento fiz a vela que me leva
sou pescador de coisas belas, de emoções
sou a maré que sempre sobe e não sossega

Sou das pessoas que me querem e que eu amo
vivo com elas por saber quanto lhes quero
a minha casa é uma ilha é uma pedra
que me entregaram num abraço tão sincero

Sou doutras coisas
sou de pensar que a grandeza está no homem
porque é o homem o mais lindo continente
tanto me faz que a terra seja longa ou curta
tranco-me aqui por ser humano e por ser gente

Sou doutras coisas
sou de entender a dor alheia que é a minha
sou de quem parte com a mágoa de quem fica
mas também sou de querer sonhar o novo dia

Fernando Tordo

domingo, 19 de maio de 2013

Poetas da Nossa Terra








SAUDADE MINHA

Minha saudade as cousas transfigura
num estranho delírio semelhante
ao desse eterno cavaleiro-andante
paladino do sonho e da loucura:

minha saudade é fonte que murmura
e em seu cantar humilde e marulhante
mata a sede que abrasa o caminhante
só de o embalar na líquida ternura...

Minha saudade os mundos alumia
os mortos ressuscita e é um sol-nascente
dourando ainda as trevas da agonia;

minha saudade é a força misteriosa
que torna cada cousa em mim presente
e a minha dor presente em cada cousa.


MORS – AMOR  (1928)