O verão deixa-me os olhos mais lentos sobre os livros |
O verão deixa-me os olhos mais lentos sobre os livros. As tardes vão-se repetindo no terraço, onde as palavras são pequenos lugares de memória. Estou divorciada dos outros pelo tempo destas entrelinhas - longe de casa, tenho sonhos que não conto a ninguém, viro devagar a primeira página: em fevereiro, eles ainda faziam amor à sexta-feira. De manhã, ela torrava pão e espremia laranjas numa cozinha fria. Havia mais toalhas para lavar ao domingo, cabelos curtos colados teimosamente ao espelho. Às vezes, chovia e ambos liam o jornal, dentro do carro, antes de se despedirem. As vezes, repartiam sofregamente a infância, postais antigos, o silêncio - nada aconteceu entretanto. Regresso, pois, à primeira linha, à verdade que remexe entre as minhas mãos. Talvez os olhos estivessem apenas desatentos sobre o livro; talvez as histórias se repitam mesmo, como as tardes passadas no terraço, longe de casa. Aqui tenho sonhos que não conto a ninguém. Maria do Rosário Pedreira de A Casa e o Cheiro dos Livros |
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sábado, 14 de janeiro de 2012
Poetas da Nossa Terra
terça-feira, 10 de janeiro de 2012
Poetas da Nossa Terra
O NATAL DA MINHA IDADE!
NATAL - 1946
É muito fria a minha mágoa
nesta Natal que, à beira da água,
referve em multidões embriagadas
por frios tão de outrora, que, apagadas
as brazas de uma esperança já perdida
acordarão sozinhas junto à vida.
A mágoa, se é do mundo,
talvez não seja apenas de tão fundo
ser o devão em que estou frio e só.
E o céu azul, e a raiva de o olhar
neste mau hábito infantil de paz sonhada,
e a solidão do amor, e o presunçoso dó
de longe haver a esperança de o cantar:
ridículo Natal, miséria e nada.
Jorge de Sena
("Poesia-I", Livraria Morais Editora, Lisboa)
NATAL - 1946
É muito fria a minha mágoa
nesta Natal que, à beira da água,
referve em multidões embriagadas
por frios tão de outrora, que, apagadas
as brazas de uma esperança já perdida
acordarão sozinhas junto à vida.
A mágoa, se é do mundo,
talvez não seja apenas de tão fundo
ser o devão em que estou frio e só.
E o céu azul, e a raiva de o olhar
neste mau hábito infantil de paz sonhada,
e a solidão do amor, e o presunçoso dó
de longe haver a esperança de o cantar:
ridículo Natal, miséria e nada.
Jorge de Sena
("Poesia-I", Livraria Morais Editora, Lisboa)
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