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sábado, 5 de março de 2011

Poetas da Nossa Terra



 Diz-me o Teu Nome


Diz-me o teu nome - agora, que perdi
quase tudo, um nome pode ser o princípio
de alguma coisa. Escreve-o na minha mão

com os teus dedos - como as poeiras se
escrevem, irrequietas, nos caminhos e os
lobos mancham o lençol da neve com os
sinais da sua fome. Sopra-mo no ouvido,

como a levares as palavras de um livro para
dentro de outro - assim conquista o vento
o tímpano das grutas e entra o bafo do verão
na casa fria. E, antes de partires, pousa-o

nos meus lábios devagar: é um poema
açucarado que se derrete na boca e arde
como a primeira menta da infância.

Ninguém esquece um corpo que teve
nos braços um segundo - um nome sim.


Maria do Rosário Pedreira

in «Nenhum Nome Depois»,
Lisboa: Gótica, 2ª. Ed., 2005.

terça-feira, 1 de março de 2011

Poetas da Nossa Terra







Ó NOITE, PORQUE HÁS-DE VIR SEMPRE MOLHADA!


Ó noite, porque hás-de vir sempre molhada!
Porque não vens de olhos enxutos
e não despes as mãos
de mágoas e de lutos!


Porque hás-de vir semi morta,
com ar macerado e de bruxedo,
e não despes os ritos, o cansaço,
e as lágrimas e os mitos e o medo!


Porque não vens natural
Como um corpo sadio que se entrega,
e não destranças os cabelos,
e não nimbas de luz a tua treva!


Porque hás-de vir com a cor da morte
- se a morte já temos nós!
Porque adormeces os gestos,
porque entristeces os versos,
e nos quebras os membros e a voz!


Porque é que vens adorada
por uma longa procissão de velas,
se eu estou à tua espera em cada estrada,
nu, inteiramente nu,
sem mistérios, sem luas e sem estrelas!


Ó noite eterna e velada,
senhora da tristeza, sê alegria!
Vem de outra maneira ou vai-te embora,
e deixa romper o dia!

Eugénio de Andrade