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domingo, 1 de maio de 2011

Poetas da Nossa Terra


Poema à Mãe 

 
No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe.
Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
          Era uma vez uma princesa
          no meio de um laranjal...

Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.


Eugénio de Andrade, in "Os Amantes Sem Dinheiro"



10 comentários:

Anónimo disse...

Um Poema que cala fundo!
Que tanto diz!
Bela escolha para a data que se festeja hoje.
Beijo.
isa.

Isamar disse...

Uma escolha excelente para homenagear aquela cujo amor é único, incondicional, íncomensurável. Eugénio de Andrade, pseudónimo de José Fontinha, é um poeta admirável e foi um filho muito grato para a sua mãe e, por isso, o admiro tanto.As suas palavras calam fundo, muito fundo,nas mães, nas filhas e filhos que têm o privilégio de o ler.

Bem-hajas, amigo!

Beijinhos

Anónimo disse...

... eu saí da moldura.


Um beijo e ótimo domingo!

Mara disse...

Boa tarde, Zé!
Esse poema de Eugénio de Andrade é tão comovente que acabei ficando sem palavras para comentá-lo.
Bom domingo.
Beijos,
Mara

Albertina Granja disse...

MÃE......, que linda palavra....., que lindo significado......

Parapeito disse...

Adoro Eugénio e este é um dos poemas que me toca muito...
Um dia todos voamos....mas...gosto de acreditar ue nunca esquecemos o caminho do ninho.
brisas doces para todos*

angela disse...

Um poema lindo de um grande poeta português que aprendo a gostar cada vez mais.
abraços

Sol disse...

um poema na medida certa...
sem bajulações, mas com muito amor.

bjs.Sol

Teresinha Oliveira disse...

Gostei porque fugiu daquele amor piegas que enaltece, sem nada dizer.
Todos nós crescemos e saímos correndo atrás de nós mesmos, sabendo que alguém, lá atrás, nos espera.

Tais Luso de Carvalho disse...

Hoje estou por aqui, amigo, e dei com este belo poema, já que está chegando o Dia das Mães. Poema bem real, mostra como se desenrola um relacionamento entre mãe e filho, aliás bem atual.

bjs
Tais Luso