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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Poetas da Nossa Terra



Natal

Leio o teu nome
Na página da noite: Menino Deus...
E fico a meditar
No milagre dobrado

De ser Deus e menino.
Em Deus não acredito.
Mas de ti como posso duvidar?
Todos os dias nascem
Meninos pobres em currais de gado.
Crianças que são ânsias alargadas

De horizontes pequenos.
Humanas alvoradas...
A divindade é o menos.


Miguel Torga

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terça-feira, 23 de novembro de 2010

Poetas da Nossa Terra






RITUAL DO AMOR
I

A fímbria do vestido

a fenda do vestido
As pernas cruzadas
na racha entreaberta
Os braços erguidos
e o vestido
subido nas coxas que já despe
II

Depois é a penumbra

e o vestido
a tirar pela cabeça
amarrotado
As mãos abocanhando
o cimo do vestido
no desatino - na pressa
que as invade
Acesa a carne
no ócio dessa tarde
liberta enfim da seda do vestido
que em vez de seda é sede
e é a tarde
acesa enfim no corpo sem vestido
III

A fímbria do vestido

a fenda do vestido
na febre em que
se despe
e é tirado
no hálito do quarto
ou atirado
e cai devagar
depois de ser despido
IV

Aos pés está o vestido amachucado
depois os joelhos no vestido
as coxas brandas e doces
no tecido
que vai cedendo ao gosto dessa tarde
V

A fímbria do vestido

a fenda do vestido
que se ergue
do chão
amarfanhado
o vestido que mal foi despido
conheceu do corpo
o peso do seu acto
VI

Assim volta à maneira

de vesti-lo
tornar a descê-lo pelos braços
cortando logo a tarde
e a ternura
perdida na penumbra desse quarto
VII

Quanta saudade
da seda do vestido
que à pele adere
num outro abraço
Baraço entorpecido
nos sentidos
secreta maneira
de tolher os passos
VIII

A fímbria do vestido

a fenda do vestido
Já só memória
o corpo todo
nu
Dissimulado agora pelo vestido
que os dedos abandonam
um a um


IX

A fímbria do vestido
a fenda do vestido

que o gesto alisa

ao descer o fato

Vestido que na fímbria

ainda é vestido
mas não na fenda
onde já se abre
M.Teresa Horta
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